Falso 9: o elemento das superioridades
Sexta-feira, 1 de maio de 2009, véspera de “El Clássico” no Santiago Bernabéu entre Real Madrid CF e FC Barcelona: Pep Guardiola chama Lionel Messi à Ciutat Esportiva Joan Gamper para lhe explicar a posição em que o mesmo iria ser utilizado no grande jogo do dia seguinte. Algo que viria para revolucionar o futebol estava prestes a chegar e Guardiola precisava de Messi, o seu melhor jogador, para cumprir escrupulosamente aquilo que a função de falso 9 pedia e concedia ao jogo da mítica equipa dos culés.
Como Lionel Messi e Xavi Hernández explicam no vídeo seguinte, a utilização do falso 9 foi uma surpresa para o adversário. E mesmo hoje em dia, ainda o é, sobretudo devido à dificuldade que existe para defender um elemento que cria superioridades com facilidade sobre o meio campo e que é dotado de imensa mobilidade, podendo ocupar qualquer espaço vazio que surja.
Depois de ter atingido o auge com Pep Guardiola no FC Barcelona, a função de falso 9 foi caindo em desuso, tendo sido várias vezes interpretada de forma errónea, sobretudo naquilo que diz respeito ao que é o trabalho em torno da mesma: utilização dos jogadores no contexto certo, ruturas, ocupação racional de espaços, atrações, contramovimentos, ativação de terceiros homens, fugas à marcação individual, entre outros aspetos que estão relacionados com o jogo. Ultimamente, o Liverpool FC de Jürgen Klopp tem sido a equipa que melhor uso tem dado à função de falso 9, o qual é interpretado de forma exemplar pelo brasileiro Roberto Firmino, sendo que este impressiona na ocupação de espaços e na fuga aos centrais adversários.
Luis Enrique foi o técnico que, mais recentemente, usou o falso 9 com bastante sucesso em termos táticos. Durante a campanha espanhola no Campeonato da Europa de 2020, o técnico com passado blaugrana vinha utilizando Álvaro Morata como avançado centro, sendo que o mesmo procurava fixar os centrais adversários e atacar a profundidade para abrir espaço nas costas dos médios adversários. Porém, frente a Itália, tudo mudou. Como tinha observado que Bonucci e Chiellini tinham problemas em lidar com avançados que fugissem para longe da sua marcação, o treinador espanhol colocou Dani Olmo como falso 9, quer para diminuir o impacto defensivo dos centrais, quer para ganhar superioridade e confundir as referências individuais dos médios italianos. E foi isso que aconteceu, como mostra o vídeo seguinte.
A utilização de um falso 9 oferece a uma equipa bastantes benefícios, como são exemplo os seguintes: superioridade sobre o setor intermédio da equipa adversária (4x3 ou 4x2); retirada de referências individuais aos centrais adversários — como que se não estivessem a defender ninguém; atração no corredor central para depois lançar diagonais fora-dentro dos extremos; se querem defender de forma individual, os centrais adversários têm de percorrer muitos metros, chegando muitas vezes atrasados, o que gera bastante desorganização na linha defensiva; o falso 9 é, na maioria das vezes, o homem livre; facilidade em ativar o princípio do terceiro homem através do falso 9; entre outras.
Por fim, para complementar o artigo, a visão de uma pessoal ligada ao futebol sobre o falso 9:
“O falso 9 é uma gambeta tática. Na descrição, e na dinâmica em campo, há um tentativa de prometer algo ao adversário para, depois de ele se comprometer, procurar a direção oposta. Os falsos 9 prometem uma referência confortável aos centrais para, no momento certo, abandonarem a última linha e virem procurar ligações com os companheiros em zonas muito mais baixas do terreno. Desta forma, provocam crises de decisão aos centrais: seguem-nos ou não? E, se seguem, existe um grande desconforto por saírem para zonas que não sabem como interpretar. Se o trabalho fica para os médios então aparecem as superioridades numéricas para quem vê tudo de frente e não é pressionado e daí os problemas surgem em catadupa para quem defende. Tudo no falso 9 é para “desadaptar”, mas ao contrário de outras soluções táticas, é das menos óbvias de interpretar e contrariar, e talvez por isso a sua eficácia seja diretamente proporcional àqualidade que requer dos seus executantes.” — Filipe Silva, Treinador de Futebol UEFA C e Analista no CF Perosinho