Limitar ou libertar?
O crescimento geral da troca do futebol de rua pelas instituições fechadas é algo que marca uma rutura entre o futebol de há uns anos e o atual. Os miúdos deixaram de conciliar aquilo que aprendiam entre a rua, aonde tinham maior liberdade criativa, e o campo para passarem menos de 5 horas semanais dentro das quatro linhas. Muitas vezes, mesmo nessas horas, o tempo em que estão com a bola no pé é diminuto, ou então é limitado através de entraves a que muitos treinadores dão o nome de progressões de um exercício. Mas afinal, faz sentido dar a uma limitação o carácter de uma progressão? Sim e não. Tudo depende daquilo que pretendemos do exercício que queremos colocar em prática.
Primeiro: o que é uma progressão?
Segundo o Dicionário Online Priberam, à luz do português, uma progressão é o “desenvolvimento graduado e ininterrupto” de uma ação. Transportando isto para o mundo do treino de futebol, a progressão diz respeito a uma alteração que é feita sobre um exercício de forma a torná-lo, por norma, mais complexo para os executantes. Segue o exemplo abaixo.
Segundo: faz sentido limitar o número de toques como forma de progressão?
Limitar o número de toques que um jogador pode dar na bola durante o decorrer de um exercício pode ser uma forma muito subtil e rude de o castrar nos momentos em que a tem. A aplicação de um exercício no treino deve ter um transfer para aquilo que é o jogo e, durante os 90 minutos, uma equipa não se vê obrigada, em nenhum momento, a jogar com limitação de toques.
O número de toques que um jogador dá na bola depende do contexto em que está inserido e tem, sobretudo, que ver com o espaço que tem para jogar. Logo, é erróneo limitar o número de toques como forma de progressão, a menos que estejamos a tratar de um exercício que tem mesmo de ser jogado a um, dois, ou três toques. Porém, aí, ainda há a possibilidade de reduzir o espaço para que o jogador analise, decida e execute de forma mais rápida e com menos toques.
Terceiro: quais as consequências de limitar o número de toques num exercício?
Estabelecer um número limite de toques é uma forma de limitar a decisão do jogador, o qual se vê obrigado a jogar sempre da mesma maneira e a nunca ter coragem, nem capacidade, para fazer diferente. A quantidade de espaço que damos a um jogador deve ser a forma como queremos que um exercício progrida. Se concedermos espaço a um jogador, ele vai tomar decisões variadas. Porém, se reduzirmos esse espaço, o mesmo jogador irá decidir mais rapidamente e com menos toques na bola para que não perca a mesma.
Como consequência da limitação da toques surge a castração da criatividade do jogador. Não vai ter coragem para tentar diferente, nem a audácia de deixar alguém para trás através do drible e não somente através do passe. Além disso, existe uma forte probabilidade de tornar um exercício em algo demasiado monótono e sem espaço para que algo diferente aconteça. Se existe criatividade no passe? Claro, mas o ponto aqui é a necessidade de haver criatividade em qualquer ação que o jogador realiza.
Ou então, como disse Johan Cruyff: “El problema es que hay muchos entrenadores que quieren pensar por ellos. Siempre he pensado que el mejor método para enseñar a un niño a jugar al fútbol no es prohibir sino guiar. Porque en el momento que les prohibimos hacer algo no lo intentarán otra vez.”
Quarto: quais os benefícios de diminuir o espaço, ao invés de limitar o número de toques?
Diminuindo o espaço, ao invés de diminuirmos o número obrigatório de toques, passaremos a ter jogadores com maior capacidade para decidir de acordo com o cenário em que se encontram. Os jogadores terão à sua disponibilidade um leque de opções que lhes permite aprimorar a sua decisão. Serão mais criativos nas suas escolhas e mais acertados, pois o espaço assim o permite. Se vão jogar várias vezes a um ou dois toques? Claro, porém, também vão poder tirar um “cabrito” numa situação em que estejam muito apertados e isso é o que realmente importa.
Quinto: quando é que faz sentido limitar o número de toques?
Quando queremos acelerar a tomada de decisão dos jogadores num determinado exercício sem querer usar isso como forma de progressão. Se estamos a receber dos jogadores um feedback de que a tomada de decisão está lenta e que estamos a perder muitas vezes a posse de maneira absurda, devemos procurar corrigir isso — no treino, claro. Se fizermos os jogadores pensar mais rápido do que o normal, estaremos a estimular a sua tomada de decisão. Desta maneira, estarão mais propícios a tomar melhores decisões em situações consideradas de pânico.
Este tipo de decisões não pode ser tornada num hábito até chegar a padrão. Mas sim, ser vista como uma necessidade para a evolução contínua e positiva dos jogadores que temos em mão. No fundo: garantir o seu equilíbrio.